Pintar com os fios – Exposição de Gisella Santi

De: 06-04-2021 a 31-07-2021

A exposição “Pintar com os fios” de Gisella Santi irá estar patente no MIAT a partir de 6 de Abril. Trata-se de uma exposição póstuma que inclui várias peças de arte têxtil da conceituada artista que pertencem à coleção do seu filho, Orenzio Santi. 

Gisella Santi contribuiu de forma decisiva no desenvolvimento das artes têxteis e, em particular, da tapeçaria contemporânea em Portugal. 

Nasceu em Pescopagano (Itália) em 1922. Diplomou-se em Pintura Mural na Escola de Artes de Veneza e tinha o curso de Desenho com Modelo da academia de Brera (Milão). Frequentou, também, cursos de restauro de pinturas e de têxteis. 

Chegou a Portugal na segunda metade dos anos 50, em parte à procura de trabalho, em parte por amor. 

Nos anos do pós-guerra, é na pintura e no desenho que se reconhece como artista. Não obstante, numa constante afirmação de independência como mulher, dedica-se ao restauro dos têxteis antigos e dirige entre 1957 e 1974 um atelier de restauro de tapeçarias antigas em Lisboa, empregando mais do que uma dezena de mulheres. É graças ao rigor do seu trabalho de restauro e à satisfação dos clientes que as encomendas começaram a chegar de forma crescente. No início, recomendadas pela Fundação Ricardo Espírito Santo e pelo Instituto José de Figueiredo. Mais tarde, principalmente através de um antiquário e comerciante de tapetes David & Popper radicado em Lisboa e pertencente à comunidade judaica de refugiados da onda de antissemitismo que alastrou na Europa durante a Segunda Guerra. 

Nesta época, o atelier de Gisellarestaurava tapetes e tapeçarias de coleções nacionais e estrangeiras num cerzir e reconstruir de partes danificadas pelo tempo e pelo uso. O conhecimento do desenho, das diversas técnicas têxteis que a prática do restauro lhe proporcionou e a mestria nos tingimentos das lãs e sedas necessárias ao restauro, foram competências fundamentais na passagem para uma produção artística têxtil. Apaixonada pelos têxteis, a sua cultura não se resumia ao conhecimento da arte da tapeçaria tradicional bidimensional de lã e seda. 

A artista, seguia com curiosidade os recentes movimentos de “La Nouvelle Tapisserie” e da “Fiber Art”, através das Bienais de Tapeçaria de Lausanne, que tinham como principal impulsionador o artista Jean Lurçat.

No início dos anos 70 do século passado, numa exposição individual das suas pinturas, expôs a sua primeira tapeçaria utilizando a técnica de Gobelins, uma tapeçaria figurativa que representa a Basílica e o jardim da Estrela em Lisboa. Em Portugal, a maioria dos artistas plásticos mandava executar as suas pinturas (cartões) em manufacturas, como se pode verificar com o exemplo da Manufactura de Tapeçaria de Portalegre. Gisella, conhecedora das técnicas da tecitura, executou ela própria os seus cartões e adquiriu teares verticais para tecer as tapeçarias, realçando uma das características das artistas têxteis da época: o facto de serem criadoras/executantes. 

No final do período da ditadura e com o 25 de Abril, o trabalho de restauro escasseia e Gisella dedicou-se ao ensino da tapeçaria e da tecelagem. Em 1975, através do Ministério da Cultura e ao abrigo da descentralização cultural, dinamizou cursos de tecelagem no IADE e em Condeixa, onde permaneceu hospedada em casa do ceramista cabo-verdiano Leão Lopes. Mais tarde e graças a essa amizade, dinamizou um curso de tapeçaria em Cabo Verde. 

Gradualmente, o atelier de restauro transformou-se num atelier-escola de tecelagem e tapeçaria e a artista, além de produzir objetos têxteis da sua autoria, abriu esse espaço a artistas que desejassem aprender esta arte e desenvolver projetos pessoais. 

Iniciou, também em 1975, a cooperativa ARA de tapeçaria com Flávia Monsaraz, que se extinguiu após dois anos. 

Em 1978, fundou o Grupo 345 de Tapeçaria Portuguesa que agregou alguns dos artistas têxteis que frequentavam o seu atelier. Ingressa, nessa mesma altura, no ensino oficial como professora de tecnologia de tapeçaria na Escola Artística António Arroio. 

Nesse mesmo ano, a Fundação Calouste Gulbenkian apresentou nos seus espaços expositivos a 8ª Bienal de Tapeçarias de Lausanne, onde entre outros, estiveram representadas artistas emblemáticas das artes têxteis contemporâneas como: Magdalena Abakanovicz, Jagoda Buic, Elsi Giauque, Ritzi e Peter Jacobi, Aurelia Muñoz, Olga Amaral, Lia Cook e Sheila Hicks. 

Originariamente ligada à tapeçaria tradicional, Gisella libertou-se para objetos têxteis tridimensionais utilizando materiais convencionais e não convencionais, numa exploração contínua de formas, texturas e cores. No entanto, nunca deixou de executar, de quando em quando, uma obra em Gobelins, quase como num desejo de se recentrar no rigor que esta técnica tradicional exige. 

Além de artista têxtil, Gisella tornou-se uma figura impulsionadora do Grupo 345, que organizava diversas exposições, em Portugal e no Estrangeiro, elevando a produção artística têxtil ao reconhecimento da sua identidade própria em relação a outras formas de arte, nomeadamente a pintura. 

Assim, Pintar com os fios não pretende identificar a tapeçaria com a pintura. Pelo contrário, tenciona ilustrar metaforicamente a fruição que Gisella sentia quando desenhava os seus cartões e quando, a partir destes, entrelaçava com os dedos, nas teias montadas nos teares, fibras e tramas para tecer as suas obras, num diálogo de oportunidades e escolhas que nos lembra o diálogo que temos com a vida.

Orenzio Santi 

Março de 2021